quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Carta para a Companhia Noel

Mês de dezembro adentro não poderia faltar a presença do espírito natalino. Ele vai de mansinho chegando em nossos corações, nossas atitudes, permeia o nosso ser. Só não chega ao nosso bolso, claro, mas isso aí é no conto anterior...
Logo, não poderia faltar aqui no Mundo da Penumbra um conto de Natal. Com um ótimo olhar para o lado capitalista desta festa religiosa, o escritor Thiago capta matizes e situações curiosas acerca das crenças no espírito natalino.

Boa leitura, boas compras e boas festas é o que o Mundo da Penumbra deseja a todos.

Carta para Companhia Noel

Carta para papai Noel,

Querido papai Noel, fui um garoto bonzinho, respeitei os meus pais, tirei notas boas e ajudei os meus amiguinhos. Ontem tive um sonho. Eu era um cientista, e tinha uma arma laser que destruía o mundo. Fiquei maravilhado com o sonho. Quando acordei contei ao meu papai. Ele riu e disse que não tinha condições de me dar uma arma nuclear. Mas disse que, como me comportei, o senhor poderia me presentear com uma no natal. Então, como fui bonzinho, eu gostaria de ganhar uma arma laser, mas que soltasse laser azul, mas se não tiver azul pode ser verde mesmo, não gostaria de vermelho, porque vermelho lembra sangre (sem ofensas a sua roupa) – é que eu enjôo quando vejo sangue.

Domingo 12/12/2010
Tom Richie

13 de dezembro de 2010, Segunda-feira
Pólo norte

O duende Ping lê a carta com um sorriso bobo na cara. Ling se aproxima e lê o papel por cima do ombro do amigo e cai na gargalhada. Os dois balançam a cabeça concordando.

Dia 15 de dezembro
Na casa de Tom
Quarta-feira

- Mamãe, não vejo a hora de chegar o natal e o papai Noel trazer o meu presente.
- E você pediu o quê, meu filho?
- A arma do meu sonho, mamãe.
A mãe sorriu zombeteira. Ela olhou para ele e depois voltou a bater a massa do bolo.
- Vou perguntar pro papai o que ele pediu para o papai Noel.
- Tudo bem querido, mas veja primeiro se o seu pai não está muito ocupado. Se ele estiver, espere e volte mais tarde.
- Tudo bem, mãe.
O garoto desembestou em uma corrida e seus pezinhos tropeçaram no tapete na entrada do escritório do pai. Ele caiu e ralou os joelhos. O pai levantou os olhos e viu o garoto assoprando o machucado.
- Isso que dá ficar correndo sem motivo. Já falei mil vezes para você se comportar como uma criança civilizada.
- Tudo bem, nem machucou.
- Ainda bem.
- Pai?
- O quê?
- O que você pediu para o papai Noel quando tinha a minha idade?
O pai pensou e respondeu:
- Uma bola.
- Uma bola?
- Uma bola!
- Que coisa chata.
- Pode ser...
- Prefiro a minha máquina de raio laser que pulveriza os meus adversários.
- Você não tem adversário, Tom.
- Mas quando tiver?
- Você irá pulverizar todos?
- Com certeza papai.
A conversa entre os dois durou mais de uma hora. E na hora do jantar Tom explicou para a mãe, enquanto comia um pedaço de bolo de chocolate, que a arma poderia salvar várias pessoas, que com a arma ele poderia eliminar todos os bandidos do mundo e ameaçaria a todos os donos de lojas de doce a dar doces de graças às crianças pobres. A mãe riu e o pai sorriu.

17 de dezembro de 2010, Sexta- feira

Na fábrica no pólo norte

Ling escrevia em um caderninho de anotações, enquanto Ping media com um compasso em uma folha grande.
- Não, não - dizia Ling - tem que ter mais raios gamas.
- Eu sei, mas temos que ver essa coisa da mira. Como uma coisa dessas não vai ter uma mira.
- Está bom, mas se concentra no núcleo.
- Ok, ok.
- Temos que correr, está chegando o Natal já.
- Ok, ok.

23 de dezembro de 2010, Quinta- feira

- Terminamos – pulou de alegria Ping, olhando para a máquina que construiu.
- É verdade, disse Ling, se afastando com uma chave de fenda na mão e secando a testa com a manga da casaca verde.
- Ling, Ping?
- É o velho, esconde, esconde - correu Ping para cobrir a máquina de 1 metro com um cobertor.
- Ah, vocês estão aí – o Papai Noel entrou com seu calção de banho branco e touca vermelha – estava procurando vocês.
- Você não sente frio só de calção e touca?
- Um pouco – meneou a cabeça o Noel, mas tenho que me preparar para o grande dia.
- O Natal é só daqui a dois dias – olhou-o com desdém Ping.
O rosto de Papai Noel enrubesceu e ele disfarçou.
- E o que é esse treco aí?
- Nada não – os dois pularam na frente da máquina que tinha o tamanho deles.
- É um presente que estamos construindo.
- Ah tá, e vocês acharam a carta do garoto Tom que sumiu?
- Não senhor – balançou a cabeça Ping.
- Bem, então vou lá, não fiquem até muito tarde fazendo esse treco aí, vocês vão ter que me ajudar na hora de entregar os presentes.
- Está ok.
Noel se afastou e os dois voltaram a admirar a obra prima por baixo da tolha, espiando para ver se ninguém ia vir atrapalhar suas alegrias.

24 de dezembro de 2010, Sexta-feira
Véspera de natal
Papai Noel arrumava a roupa para a grande entrega, enquanto os duendes corriam de um lado para o outro ajeitando a sacola mágica de Natal, colocando e etiquetando presentes.
- Ping, – cochichou Ling – o que você acha que o moleque vai achar?
- Espero que esse pirralho goste, deu um trabalhão danado fazer esse brinquedo.
Papai Noel subiu no trenó e as renas se entrelaçaram na rede em suas posições respectivas. Os dois duendes subiram na carroça e o com um estalar levantaram vôo.

25 de dezembro de 2010
Meia-noite de Sábado, Natal

A noite foi passando enquanto o velhinho entregou casa a casa, entrando pelas chaminés, para deixar o presente debaixo das árvores.
A casa de Tom era amarela, com um telhado escuro. As renas pousaram o trenó. Noel desceu e coçou a barba.
- Não me lembro deste aqui.
- Esse é o Tom, o da carta perdida – respondeu Ping.
- Então vocês encontraram? Onde estava... – ele não completou, olhou para o relógio. Já volto. Os pais do garoto acabaram de sair da sala para cozinha.
Noel pulou e entrou na chaminé. Lá embaixo, colocou o presente no pé da árvore. Mas a fita do embrulho agarrou na fivela de seu cinto preto e abriu o embrulho. Papai Noel tentou embrulhar novamente, mas a arma disparou um laser vermelho e pulverizou o sofá da sala. Noel arregalou os olhos surpreso. Largou tudo como estava e voltou para o telhado.
Os duendes gargalhavam. Eles ouviram um grito entusiasmado vindo de dentro da casa. Em seguida ouviram a voz infantil de Tom dizendo: - “Obrigado papai Noel”.
- O que houve?
- Você acabou de deixar uma arma pulverizadora na casa do guri.
- Como assim?
- Foi o que ele pediu na carta. E nós dois fizemos. – Ping riu.
Papai Noel leu a carta que Ling entregou a ele e seu rosto foi se contorcendo de cólera.
- Como vocês ousaram fazer uma coisa dessas?! – explodiu Noel com raiva; seu rosto ficando da cor do uniforme.
Os duendes abaixaram a cabeça.
- O garoto – Papai Noel esfregou a carta na cara deles – pediu bem claramente. Ele especificou que não queria a arma com raio vermelho. Ele passa mal. Eu não sei como vocês dois vão fazer, mas eu quero que os dois desçam lá e re-configurem a arma para a cor que o garoto pediu.
- Mas...
- Sem mas, ele se comportou o ano todo, ele disse que não queria vermelho, então não será vermelho. É com uma falha dessas que vocês destroem a Companhia, vocês querem me levar a falência?
Os duendes desceram a chaminé reclamando.
Tom brincava com sua arma do lado de uma poça de vômito, enquanto os pais atordoados olhavam para vários montes de pó no interior do cômodo.
- Não é que o velho tinha razão – cochichou Ling no ouvido de Ping.
- É mesmo, o moleque passou mal.
- Vocês aí, – a família se virou para os dois que saiam da fumaça como demônios – viemos fazer uns ajustes no brinquedo. Se liga na gente não, faz de conta que não estamos aqui.
- Vamos consertar e ir embora, e vocês nem vão lembrar que estivemos aqui. –os dois se entreolharam e riram.
Tom entregou o presente para os dois e eles tiraram as ferramentas dos bolsos.
Os pais do garoto ficaram olhando com cara de idiotas para os dois.
- Prontinho, – disse Ping entregando o brinquedo para o menino – nesse botão sai raio azul e neste verde.
Os olhos do menino brilharam e ele agradeceu.
Os duendes encabulados jogaram um pó nos olhos da família e voltaram para a chaminé.
- Moleque maneiro, né?
- É verdade, mas os pais dele não têm educação, nem pra oferecer um chocolate nesse fio que está fazendo.
- Pois é, adultos não têm jeito mesmo.
Eles olharam para o Noel, que de braços cruzados os encarava.
- Vocês viram? Não doeu nada.
- Pois é, foi mal.
- É esse tipo de coisa que destrói o mundo, rapazes.
- Eu sei – coçou a cabeça Ping – não vamos fazer de novo.
- Eu acho bom mesmo. Com o que vocês fizeram hoje, colocariam em risco a reputação das empresas Noel, que levei tantos séculos para erguer. Nós prezamos a qualidade dos nossos produtos e o bom atendimento aos nossos clientes. Não é pra tanto que hoje em dia as pessoas estejam começando a apensar que Papai Noel é japonês. Mas agora subam aí que vamos voltar a fazer as entregas.
As renas subiram no céu gelado e atravessaram o horizonte rumo ao além, para fazer as entregas natalinas restantes, paras as crianças dos povos que ainda acreditam na Companhia Noel.

2 comentários:

  1. Eu gostei. Só tnho uma pergunta ao autor:
    - De que clínica psiquiátrica esse papai Noel e seus ajudantes saíram?

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